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Após 5 anos, área do parque da Chapada dos Veadeiros segue em disputa

Nas esferas judicial, política e administrativa é grande a movimentação em torno do decreto presidencial de 2017 que ampliou o território do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (PNCV), unidade de conservação (UC) do Cerrado localizada nos municípios de Alto Paraíso, Cavalcante, Nova Roma, Teresina de Goiás, São João d’Aliança e Colinas do Sul, no Nordeste goiano.

De um lado, proprietários de terras atingidas pela medida reclamam da ausência de regularização fundiária e de indenizações. Por outro, ambientalistas e integrantes do conselho consultivo do parque, que é gerido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), defendem a medida presidencial temendo uma ameaça à biodiversidade e às atividades turísticas na região.

O POPULAR apurou que um grupo de proprietários rurais da região tem procurado o apoio de parlamentares em nível estadual e federal, a direção do ICMBio e do Ministério do Meio Ambiente (MMA) para derrubar o decreto do então presidente Michel Temer. Na Câmara Federal, tramita desde agosto de 2021 o Projeto de Decreto Legislativo 338/2021, de autoria do deputado federal Delegado Waldir (União Brasil/GO), que visa reduzir em mais de 70% a área do PNCV, passando dos atuais 240 mil hectares para 65 mil hectares.

Em pronunciamento na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego), o deputado estadual Gustavo Sebba (PSDB) disse que pretende encaminhar requerimento à União pedindo esclarecimentos e providências, além de propor a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para averiguar a situação da ampliação da UC. Na semana passada, proprietários rurais da região estiveram na presidência da Casa.

O tema também tem dominado as redes sociais. Em sua conta no Instagram, o empresário André Augusto Ferreira Fontes, o Dhomini, que ficou conhecido pela sua participação no BBB3, tem feito duras manifestações contra o ICMBio. No início de fevereiro, um empreendimento em sua propriedade, que fica dentro do território de expansão do parque, foi destruído por fiscais do órgão.

Desde então, ele tem buscado ajuda de órgãos oficiais e de parlamentares para denunciar o que chama de “inconsistências jurídicas por trás da expansão do parque” e convocado as “mais de 300 famílias que não têm título definitivo” para a “luta”. O POPULAR procurou o empresário, mas ele se recusou a conceder entrevista sob a alegação de que não confia em jornalistas. Para o empresário, o ICMBio está fazendo um “esbulho oficial.”

O deputado federal Delegado Waldir confirmou que há a movimentação dos proprietários de terras. “O que queremos é a indenização das minorias que foram expropriadas, não podem mais produzir e que estão sendo duramente fiscalizadas pelo ICMBio. É o que está na Constituição, que prevê a proteção à propriedade privada e a desapropriação, com indenização, para a criação de parques. Hoje, nem 1% dos proprietários foi indenizado. Se amanhã o governo federal depositar o dinheiro de cada um dos expropriados, uma indenização justa, eu retiro o PDL.” Em agosto de 2021, dois proprietários alegaram junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) a inconstitucionalidade do decreto, mas o ministro Kássio Nunes o referendou.

Na justificativa do PDL de sua autoria, o parlamentar diz que dos 500 proprietários da área de expansão do parque, 230 não possuem posse definitiva, a maioria pequenos proprietários. “Eles não podem produzir mais nada, não foram indenizados e estão sendo duramente fiscalizados pelo ICMBio.” Para Delegado Waldir, o órgão federal está se apropriando das terras. “Estamos defendendo uma minoria. Até hoje, tudo o que o ICMBio se apropriou, foi preservado pelos moradores que estão lá há 20, 30, 40 anos.”

O parlamentar afirma que não houve a opção de transformar as áreas em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), unidade de conservação em domínio privado, antes do decreto de ampliação. Na consulta pública aberta pela Câmara dos Deputados, o PDL que susta o decreto de ampliação recebeu mais de 20 mil opiniões, das quais 99% são contra e apenas 1% a favor.

No Senado Federal, Jorge Kajuru (Podemos-GO) apresentou o Projeto de Lei 2. 847/21 como contraponto às iniciativas que colocam em risco o decreto presidencial. Entretanto, para os conselheiros do parque, a matéria é um risco para a existência legal do PNCV, diante da “confrontação ambiental instalada no país”. Isso porque a Lei 9985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), define que a desafetação ou redução dos limites de uma UC só pode ser feita mediante lei específica.

“Não há precedente algum no Brasil de uma Lei específica precisar ser criada para proteger um decreto que cria ou amplia uma unidade de conservação”, dizem os conselheiros no documento. O empresário Dhomini Ferreira tem dito em sua rede social que “decreto não é lei”.

Unidade foi criada por JK

Quando foi criado em 1961, pelo presidente Juscelino Kubitschek, para proteger ambientes típicos do Cerrado, o PNCV tinha 625 mil hectares. Em 1972, sua área foi reduzida para 171 mil hectares. Em 1981, o território caiu para 65 mil hectares.

Em 2017, o presidente Michel Temer assinou o decreto de ampliação para 240 mil hectares em área contínua, o que corresponde a um terço da área original. O ICMBio justificou a medida como essencial para a implantação de novos corredores ecológicos e preservação do habitat de grandes mamíferos.

Ambientalistas têm reafirmado que a ampliação não ocorreu da noite para o dia. “Foi uma década de discussão, com estudos técnicos, inclusive da área fundiária”, disse o advogado Júlio Itacarambi, em agosto de 2021.

Em 2001, o PNCV foi reconhecido pela Unesco como Patrimônio Natural da Humanidade por abrigar uma vegetação específica, o Cerrado de Altitude. O parque nacional é um dos destinos brasileiros mais procurados para ecoturismo. Em 2021 e 2022, na votação Traveller’s Choice, do Tripadvisor, ficou entre os 25 melhores parques do mundo e o melhor do Brasil.

A Universidade Nacional de Brasília (UnB) estima que o turismo em torno da UC movimente cerca de R$ 92 milhões por ano. “Cada real investido no ICMBio produziu R$ 7 em benefícios econômicos para o Brasil”, diz o documento Contribuições do Turismo em Unidades de Conservação para a Economia Brasileira – 2018.

Local tem 1 mil imóveis privados

A Unidade de Conservação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, possuía, antes da ampliação, algo em torno de 6% de sua área efetivamente adquirida e regularizada, mas a situação está mudando, com as novas estratégias de regularização fundiária. Baseado no Cadastro Ambiental Rural (CAR) de 2019, o ICMBio estima que haja 1 mil imóveis particulares na área de ampliação, 50% de todo o seu território.

Desde o decreto, foram abertos 136 processos de regularização de imóveis sobrepostos integral ou parcialmente à área ampliada.

Em 2020, o órgão pagou indenização aos proprietários da Fazenda Bracinho, em São João d’ Aliança. O documento mostra que portarias de 2020 e 2021 do ICMBio colocam o PNCV como uma das unidades de conservação prioritárias para indenizações de regularização fundiária.

O planejamento para desapropriação prevê critérios por ordem de importância dos imóveis: atrativos de interesse para abertura de visitação, estratégicos para proteção, e imóveis com documentação regular que tenham interesse no processo de regularização fundiária.

Em novembro de 2021, durante a Cúpula do Clima (COP26), o presidente do ICMBio, coronel PM Marcos de Castro Simanovic, disse que entre 2017 e 2020 houve um aumento de mais de 4.600% nas indenizações a propriedades particulares em áreas de UC no Brasil. Segundo ele, somente em 2020 a União pagou R$ 42,6 milhões aos proprietários atingidos.

“Focamos na proteção do meio ambiente e no respeito às comunidades tradicionais, na população que efetivamente interage e vive na região dessas unidades, buscando o desenvolvimento sustentável”, afirmou na COP26. O presidente do ICMBio foi procurado por integrantes do grupo que reclama por indenizações no âmbito do PNCV.

Em nota ao POPULAR, a assessoria de comunicação do ICMBio informou que não há pedido recente no órgão para reanálise dos limites do PNCV. “Ressalta-se que a ampliação dos limites do parque foi definida por decreto presidencial em 2017, amparada por estudos técnicos e por consulta pública, respeitando a legislação vigente”, diz a nota.

Após visita do deputado Delegado Waldir à Câmara Municipal de Alto Paraíso para defender o seu PDL, a presidente do Mandato Coletivo Permacultural e vereadora no município, Henny Freitas (Rede), enviou ofício ao ICMBio pedindo informações sobre os autos de infração e notificações que estariam sendo emitidos pelo órgão e de procedimentos de indenização, mas ainda não obteve resposta.

De acordo com o levantamento dos conselheiros do PNCV, 19% do território do PNCV são formados por glebas de titularidade do Estado de Goiás, e 25% da “antiga área” da UC não foram arrecadadas em ações discriminatórias porque os “posseiros ou ocupantes” saíram das terras antes da Constituição de 1988, sem indenizações.

A quase totalidade desses casos, revela o documento, decorre da ausência de títulos de propriedade. Para Delegado Waldir, os números apresentados no levantamento estão “viciados”, fato que será devidamente comprovado pela assessoria jurídica dos proprietários de terras.

Em abril de 2017 o Ministério Público Federal (MPF) requisitou à então Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Secima), hoje Semad, a relação dos supostos 230 proprietários inseridos nos trechos de expansão do parque, mencionados pelo parlamentar e cópia dos procedimentos para regularização. A Secima respondeu em 5 de maio daquele ano, sugerindo que o questionamento fosse feito à Secretaria de Agricultura.

Esta, por sua vez, respondeu em 10 de julho, após a assinatura do decreto, que a lista dos proprietários deveria ser solicitada ao ICMBio e que planejava a regularização das terras de domínio do Estado de Goiás.

Parte do território de ampliação sobrepõe a Área de Preservação Ambiental de Pouso Alto, de gestão estadual. Ao questionamento sobre a situação fundiária na APA, a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa) respondeu que há, neste momento, 285 processos sendo analisados. De 2019 para cá, foram emitidos 97 títulos.

O órgão ressalta que, para receber o título, o posseiro deve comprar que estava no local há pelo menos dez anos, antes mesmo da criação da APA e concordar com o Plano de Manejo.

Desmate é dez vezes maior fora da unidade

Para fazer frente à pressão do agronegócio, membros do conselho consultivo da Unidade de Conservação (UC) elaboraram amplo documento no qual expõem o histórico que antecedeu a medida presidencial, o panorama atual, efeitos gerados pela ampliação, a situação fundiária e dados do Plano de Manejo do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, aprovado em setembro do ano passado.

Segundo eles, uma série de fatores coloca em risco a UC, entre eles os incêndios no período de estiagem, que provocam o avanço de espécies exóticas, o desmatamento ilegal, o furto de madeira, a ocupação irregular e as práticas agropecuárias danosas aos recursos naturais.

Os conselheiros dizem que várias famílias invadiram áreas na região Nordeste do parque a partir de 2018, depois da ampliação, e construíram barracos. Quase todos foram destruídos em operações de fiscalização. Há poucos dias, uma nova ação provocada por denúncias resultou em sete notificações e dois autos de infração.

O documento revela que a ampliação já tem efeitos positivos. Entre 2017 e 2020, segundo dados de desmatamento do Cerrado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), foram desmatados, no interior da UC, 141,2 hectares e ao seu redor 1.540 hectares. Ou seja, a taxa de desmatamento no entorno supera em mais de 10 vezes a ocorrida no interior do PNCV após a ampliação.

Para fazer a ampliação, conforme os conselheiros, o ICMBio dividiu a poligonal de estudo em cinco setores, com características de ocupação e de conservação da natureza. “Muitas áreas foram excluídas devido às ocupações mais consolidadas e ao uso do solo, outras foram incluídas devido ao estado de conservação e ausência de uso e ocupação”, diz o levantamento. Os estudos teriam sido divulgados “em inúmeras reuniões setoriais com diversos grupos de interessados (produtores rurais, turismo, assentamentos rurais, entre outros)”.

Fonte: O Popular

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