Após mais de 100 trabalhadores rurais terem sido resgatados em condições análogas à escravidão em uma investigação operada na Usina Companhia Bioenergética Brasileira (CBB), em Vila Boa (GO), no entorno do Distrito Federal, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra DF e Entorno (MST), conjunto ao mandato do deputado estadual Mauro Rubem (PT-GO), realizaram na manhã desta sexta-feira (31) uma audiência pública para aprofundar as denúncias sobre o caso.
A ação realizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT-GO), juntamente com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e a Polícia Federal desmantelou a prática criminosa de exploração do trabalho realizada pela CBB. A operação identificou diversas irregularidades nas condições de trabalho dos cortadores de cana empregados pela empresa, que mantinha mais de 100 trabalhadores em situação análoga à escravidão.
Encontrados em condições de extrema vulnerabilidade, os empregadores foram socorridos sem registro em carteira, sem acesso a banheiros, sem equipamentos de proteção individual e submetidos a jornadas exaustivas. Além disso, os alojamentos foram flagrados em estado precário e inapropriado.
Na audiência desta manhã, o coordenador do MST-DF Marco Baratto destacou que a situação da CBB não é um caso isolado, mas um retrato de um modelo de exploração estrutural. “Essa usina atua como se ainda estivéssemos há 150 anos, no tempo da escravidão. É um crime reiterado contra o povo pobre de Vila Boa. Essa prática é recorrente e tem se repetido ao longo dos anos, mesmo com as nossas denúncias”, afirmou durante o evento.
Baratto lembrou que o MST já havia ocupado a área da usina em 2023 para denunciar as irregularidades trabalhistas e ambientais. “A gente vem denunciando há muito tempo. Vila Boa é uma cidade linda, mas vive em uma das maiores vulnerabilidades sociais do estado. O governo de Goiás não olha para nós, e a CBB se aproveita dessa pobreza para explorar trabalhadores que vêm do Maranhão, da Bahia e de outros estados em busca de sobrevivência”, declarou.
Segundo ele, a empresa, que detém cerca de 8 mil hectares de terras, “não reverte um centavo em benefício para o município” e “mantém um modelo de concentração fundiária e exploração humana incompatível com o século XXI”.
A superintendente regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) Cláudia Farinha destacou que o governo federal pretende agir de forma firme diante do caso. “Não podemos permitir que situações como essa continuem acontecendo no Brasil. Foram encontradas pessoas vivendo e trabalhando em condições sub-humanas.”
Ela ressaltou que o programa Terra da Gente, desenvolvido pelo governo federal junto ao órgão, tem o objetivo de fornecer o acesso aos trabalhadores a políticas públicas da reforma agrária para “garantir dignidade, acesso à terra e inclusão produtiva para quem sempre viveu à margem das políticas públicas”.
O Superintendente Federal do Desenvolvimento Agrário do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) Lukas Nunes também reforçou o compromisso do governo federal com os trabalhadores resgatados e com as famílias da região. Ele lembrou que a luta pela reforma agrária deve caminhar junto com a garantia de crédito, assistência técnica e apoio à produção. “Nosso compromisso é com quem vive do trabalho no campo. Vamos levar políticas públicas, crédito e dignidade a quem teve negado o direito de produzir e viver da terra”, destacou.
A Companhia Bioenergética Brasileira, além das acusações trabalhistas, também enfrenta outras pendências legais. De acordo com o site da Receita Federal, que reúne informações sobre devedores inscritos na dívida ativa da União, a empresa acumula mais de R$ 650 mil em multas trabalhistas. Também há registros de sanções ambientais, segundo informações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) existem duas infrações ambientais cometidas pela empresa relacionadas a desmatamento e infração de licenciamento, ambas somam pouco mais de 10 mil hectares de área embargada.
O deputado estadual Mauro Rubem (PT-GO), proponente da audiência, cobrou investigações mais profundas e responsabilização da direção da usina. Segundo o parlamentar, há indícios de fraudes fiscais e ambientais, com a CBB utilizando diversos CNPJs para mascarar dívidas milionárias.
“Essa empresa sempre assinou termos de ajustamento de conduta, prometendo corrigir irregularidades, mas continua descumprindo a lei. Vamos exigir que o Estado investigue para onde vai o dinheiro da produção da CBB. Seguir o dinheiro é fundamental para entender o esquema de exploração e impunidade”, declarou.
O deputado também defendeu que as terras da usina sejam destinadas à reforma agrária: “Se há dívida trabalhista e exploração comprovada, essa terra deve cumprir sua função social, produzindo alimentos e garantindo dignidade às famílias camponesas.”
Ao longo da audiência, os representantes dos movimentos sociais reforçaram que o caso da CBB é um retrato da desigualdade estrutural no campo brasileiro e da ausência de políticas públicas de valorização do trabalho rural. “Trabalho escravo é crime, e a impunidade não pode continuar sendo regra em Goiás”, afirmou Baratto em sua fala de encerramento.
Entenda o caso
O Ministério Público do Trabalho de Goiás (MPT-GO) resgatou no dia 29 de setembro 108 trabalhadores em condições análogas à escravidão em uma fazenda da Companhia Bioenergética Brasileira (CBB), localizada no município de Vila Boa, entorno do Distrito Federal. A operação conduzida em conjunto com a Polícia Federal e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) identificou graves irregularidades nas condições de trabalho dos cortadores de cana empregados pela Usina CBB, em Vila Boa de Goiás.
Segundo informações do MPT, após a constatação das irregularidades, o representante legal da fazenda firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o órgão.
No documento, a empresa se comprometeu a adotar uma série de ações para regularizar a situação e evitar a reincidência das infrações. Como compensação por danos morais coletivos, foi efetuado o pagamento de R$ 100 mil. O TAC também prevê multa de R$ 10 mil em caso de descumprimento de qualquer uma das cláusulas.
Além disso, foram quitadas as verbas rescisórias, totalizando cerca de R$ 862 mil, bem como os valores referentes a danos morais individuais, no montante de dois salários mínimos para cada trabalhador resgatado.
Ainda de acordo com o MPT-GO, todos os trabalhadores também receberam o requerimento para acesso ao benefício do “Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado”, que garante três parcelas mensais equivalentes a um salário mínimo.

