Familiares de presos que cumprem pena no presídio estadual de Formosa denunciam torturas. Não é a primeira vez que casos como os relatados são divulgados, mas a morte de um detento no dia 16 de julho deste ano colocou, especialmente, mães e esposas em alerta. Uma carta que teria sido escrita pelos apenados detalha as agressões e ainda informa que o preso morto apanhou até ser levado para o hospital, onde morreu.
As denúncias dos familiares relatam que os presos desta unidade recebem alimentação e itens de higiene, cobertores, roupas, entre outros objetos e que todos são recolhidos e não devolvidos. A mãe de um dos presos disse que chegou a comprar um bebedouro de água para o filho, orientado por um servidor da unidade, mas que ele sequer chegou a receber o equipamento. “Até a água que eles bebem é de péssima qualidade. Não tenho ideia do que fizeram com o filtro.”
A mãe de outro preso que também está na unidade diz que desde o início da pandemia diz que os contatos e acessos às informações e aos próprios presos piorou bastante. “Eu visito meu filho no parlatório. Há um mês, mais ou menos, os policiais trouxeram ele e ele ficou distante. Tem um vidro e a gente nem chega perto. Dessa vez, ele nem falou nada. Eu que ele tinha hematomas no rosto, nas mãos. Ele não disse nada, mas os olhos dele me mostravam que ele pedia socorro”, disse.
Medo
As mulheres que conversaram com a reportagem pediram para não serem identificadas. A justificativa é que temem por represálias contra seus parentes. “A gente fica com medo de chamar a imprensa e nossos filhos e maridos serem machucados lá dentro, mas as agressões já vêm acontecendo sem a imprensa. Pelo menos com a divulgação as pessoas ficam sabendo das barbaridades que estão acontecendo lá dentro.”
Parentes do preso Paulo Henrique Câmara da Costa, que morreu no dia 16 de julho, questiona as condições da morte do homem, que tinha 38 anos. A causa da morte que consta no atestado de óbito é choque séptico, sepse e úlcera perfurada. “O estranho foi que nunca nos chamaram para falar desses problemas de saúde, nem mesmo quando ele precisou ser internado. A única ligação que recebemos foi quando ele já estava morto”, disse uma irmã.
A mulher ainda acrescenta que o irmão tinha diversos ferimentos no rosto e nas mãos. “No dia do velório a gente estranhou isso. Até acredito que ele possa ter morrido por úlcera ou outra coisa, mas que foram causadas pelos maus-tratos dentro do presídio.” A família do preso informa que vai solicitar apuração sobre o caso. “Não está claro e deixar mais este caso sem investigação só aumenta a impunidade de quem está lá dentro para fazer a lei ser cumprida, mas que aproveita da posição para cometer atrocidades.”
Não consegue visitar
A mãe de outro detento conversou aos prantos com a reportagem. Ela diz que sabe que o filho errou quando se envolveu em uma quadrilha que traficava e roubava carros na capital. “Há três anos ele foi transferido com a justificativa de ser perigoso. Desde então só consegui ir até Formosa quatro vezes. Eu não tenho dinheiro para a viagem, nem sempre a gente chega e consegue visitar e ainda não consigo fazer o cadastro no site para as visitas.”
A mulher explica que já pediu ajuda para vários parentes e amigos. “O que me dizem é que não estão mais aceitando documento escaneado pelo celular. Mandaram ir na lan house. Todas perto da minha casa fecharam. Faço de novo e dizem que está sem conexão. Nem sei mais o que fazer, tem dia que choro com dúvida se meu filho ainda está vivo. Tem muitos meses que não tenho notícia. Consegui R$ 300 e paguei um advogado para ver se me ajuda.”
Outra mãe conta que o filho foi preso e cumpre pena por tráfico de drogas. “Eu moro aqui perto (de Formosa) e consigo ir com frequência. Não tenho reclamação de acesso, mas o contato é mínimo. Levo meu neto para ver o pai e passamos a manhã inteira no sol. As crianças só entram a tarde e não tem um banheiro ou local decente para espera com as crianças. O tratamento com a gente é desumano. Imagina lá dentro? É assim que o Estado quer ressocializar uma pessoa? Não vai dar certo. Nem a bíblia meu filho pode ter mais. Já trouxe várias porque ele pede e sempre tomam e não devolvem.”
Quando as mães e esposam reclamam do tratamento elas afirmam que são bloqueadas. “Eles ficam com raiva e querem mostrar pra gente que pode ser pior. Eles nos bloqueiam, que é impedir o acesso ao sistema para agendar novas visitas. Aqui tá tudo errado e não funciona como deveria.”
Resposta
A reportagem entrou em contato com a Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP), que informou, em nota, que foram abertos procedimentos administrativos internos para apuração da morte de Paulo Henrique. No documento, a pasta ressalta que “toda denuncia realizada de forma oficial é averiguada e apurada de forma minuciosa”. A DGAP acrescentou que o laudo da morte e demais documentos assinados por profissionais competentes ressalta a causa do óbito, excluindo quaisquer precedentes.
Ainda sobre a morte de Paulo Henrique, a DGAP informa que o detento estava internado em unidade de saúde recebendo os devidos atendimentos que a saúde dele requeria. Mas a nota também confirma que a comunicação foi realizada de forma imediata, após a constatação do óbito. Deste modo, a assistência social do hospital realizou as comunicações à família dele. Mas a pasta não informa se deveria ou se avisou a família sobre a condição inicial de saúde que, pela gravidade, necessitava de atendimento e internação.
A nota diz, apenas, que a unidade mencionada (presídio de Formosa) possui uma equipe biopsicossocial que oferece “a devida assistência e acompanha os detentos que precisam de atendimento médico. Sendo realizadas as devidas comunicações”, sem detalhar quais seriam as “devidas comunicações”.
Devolução
Sobre a entrega de alimentos e itens de higiene está ocorrendo normalmente, mas que existe um rol de itens permitidos para serem repassados aos custodiados. Familiares possuem acesso a tal lista, sendo que os itens que não estão no rol são devolvidos aos familiares. Mas as famílias negam que recebam itens de volta. Sobre a reclamação das famílias de que os presos não vêm tendo acesso a livros, a DGAP informou que a unidade possui “um vasto quantitativo de obras literárias disponibilizadas para a população carcerária. Neste contexto, o detento deve expressar a vontade de participar de programas de leitura.”
Sobre a reclamação dos problemas com o sistema de cadastro, a pasta nega. Informa que o visitante deve realizar o cadastro presencial na unidade e as senhas são retiradas via site da DGAP. A Coordenação da unidade prisional informa que as visitas estão ocorrendo normalmente nas modalidades parlatórios, espaço lúdico e videoconferência.
Fonte: O Popular

