O escândalo de grilagem de terras em Formosa (GO) – noticiado no último domingo (16/7) – tem capítulos que mostram até ameaças à uma delegada da Polícia Civil e vereadora, caso ela investigasse o grupo.
Em uma interceptação telefônica, o empresário foragido D’Artagnan Costamilan, 72 anos, disse que iria “chamar na tranca” a delegada Fernanda Martins (Solidariedade), que também foi eleita para a Câmara Municipal da cidade. “Vamos ver se ela vai investigar”, completou D’Artagnan.
A conversa foi gravada após autorização judicial obtida pelo Ministério Público de Goiás (MPGO), que deflagrou, neste mês, a Operação Escritório do Crime. Foram cumpridos mandados contra 13 pessoas físicas e jurídicas. D’Artagnan Costamilan, alvo do pedido de prisão, está foragido. Em ligação com um jornalista da cidade, Jander Paulo, o empresário se mostrou incomodado com a fala de um pequeno comerciante na Câmara dos Vereadores.
O vendedor de coco e castanhas havia colocado um contêiner na área que ocupava há anos, com alvará da prefeitura, para expandir o comércio. Alegando ser dono do local ocupado pelo vendedor, D’Artagnan teria contado com apoio da Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo de Formosa e da Superintendência Municipal de Trânsito (SMT) para retirar o homem do local.
O pequeno empreendedor pediu voz na Câmara Municipal de Formosa e expôs a situação, comentando que o próprio SMT orientou que ele poderia colocar um contêiner ali.
A vereadora delegada Fernanda, líder da oposição na Casa, disse, durante a sessão, que iria investigar o caso. “É uma perseguição. Ele foi ameaçado no seu local de trabalho por pessoas estreitamente ligadas ao prefeito municipal. São dois capangas do prefeito inviabilizando uma atividade de um trabalhador. É caso de polícia. A gente não sabe do que essas pessoas são capazes.”
Na interceptação telefônica entre D’Artagnan e Jander, o empresário reage às falas ditas na Câmara dos Vereadores. “Vamo [sic] pegar aquela… pra nós entrar, não vamos deixar de entrar, eu entro e encontro alguma coisa contra aquele [nome do vendedor], tá na hora de eu entrar, né? Se ele falou nosso nome vamo entrar, isso e tal, vamo responsabilizar. E se ela falou também, vamo chamar ela na tranca, vamo ver se ela vai investigar (SIC).”
Ocultação
Na mesma conversa, Jander ressalta que “Glauber ficou puto” com a fala do comerciante. Ele se referia a Carlos Glauber Martins, Superintendente da STM na Prefeitura de Formosa, apontado pelo MP como servidor público que “atuou abusivamente na retirada do vendedor”. Também chama atenção que Jander afirma que vai pedir a gravação do vídeo da sessão para o presidente da Câmara Municipal de Formosa, Marcos Goulart de Araujo (PP), o “Marquinho”, para que ele retire esses trechos.
“Não é a sessão toda, é só a parte que o [comerciante] falou e a Fernanda falou também”, comentou o jornalista, em ligação com D’Artagnan. Ou seja, ambos combinavam uma ocultação de trechos de uma sessão pública, que ainda está disponível no YouTube da Casa. O empresário respondeu em novo tom de ameaça: “Pode pegar a gravação que nós damos a um chega pra lá nele e nela (SIC)”.
Com medo, o comerciante nem chegou a citar nomes de quem o teria intimidado, mas abriu um boletim de ocorrência dizendo ser vítima de ameaças. Outra fala que dá o tom da gravidade das denúncias também vem de Jander.
Uma rádio local repercutiu as falas do vendedor, mas, segundo o jornalista amigo do empresário, o locutor não foi incisivo na crítica por ter medo de Glauber. Em mais uma conversa interceptada, Jander diz a D’Artagnan que o superintendente “prometeu de matar ele”, se referindo ao locutor. “Tá prometido de morte. Ele num é besta, não, de ficar falando nome dos outros no rádio (SIC).”
Jander se defende
A reportagem procurou Jander para ouvir o lado dele a respeito do caso. O jornalista alegou que D’Artagnan “é uma pessoa do bem, conhecida por praticar ações sociais”, disse que, como comunicador e dono de um jornal, tem “trânsito com muitas pessoas, como prefeitos e empresários”, e chamou o vendedor de castanhas de “mentiroso”.
“O D’Artagnan é gaúcho, a comunidade tem o sotaque dele, os advérbios dele, um vocabulário diferente. Acredito que ‘chamar na tranca’ é chamar para uma conversa. Não existe ameaça nenhuma nisso”, opinou. Ele também alegou que o empresário estava viajando de férias antes de ser expedido o mandado de prisão preventiva. “Ele vai chegar aqui e se apresentar para ser preso?”, questionou.
D’Artagnan ainda não se apresentou à polícia e segue sendo formalmente foragido da Justiça. Sobre a possível ameaça de morte de Glauber contra um radialista, Jander pontua que “não tem relação” com o empresário. “Não sei o motivo pelo qual ele falou isso. O Glauber é conhecido como um rapaz sério. Esse locutor é um bandido que foi preso três vezes. Se o Glauber falou isso, deve ter os motivos dele.”
Jander, porém, admite que Formosa é uma cidade com muitos “rolos”, como ele próprio definiu. “Em um município em que até o padre vai preso, imagina o resto”, comentou. Ele se referiu ao caso de 2018, quando uma operação do Ministério Público de Goiás desarticulou uma associação criminosa que atuava desviando recursos de igrejas católicas do Entorno do DF, incluindo Formosa e Planaltina de Goiás, gerando prejuízo de R$ 2 milhões. Um bispo, quatro padres e um monsenhor foram presos na ocasião.
O jornalista aparece em conversas telefônicas interceptadas na operação contra grilagem, mas não foi alvo de qualquer mandado. Ele acusa a vereadora Fernanda de usar o caso e “o cargo de delegada para se promover politicamente”.
A reportagem tentou contato com a Prefeitura para ouvir o lado de Carlos Glauber Martins, superintendente Municipal de Trânsito, mas não conseguiu retorno. O espaço segue aberto para manifestações.
A grilagem
O esquema de grilagem apurado pela Operação Escritório do Crime investiga políticos, uso do poder público, ameaças de morte e fraude de documentos de falecidos. MPGO analisou escrituras, interceptações telefônicas e uma vasta quantidade de provas para pedir à Justiça mandados de busca e apreensão e a decretação de prisão preventiva de D’Artagnan.
A apuração de seis meses mirou um grupo suspeito de praticar crimes de grilagem, corrupção, falsidade ideológica, uso de documento falso e associação criminosa. O caso chegou ao conhecimento do MP quando o verdadeiro dono de dois lotes de Formosa percebeu uma fraude na documentação de venda das terras.
D’Artagnan Costamilan é apontado como a figura de destaque de todo o esquema. Segundo a investigação do Ministério Público, ele usava do alto poder financeiro para atos de corrupção envolvendo agentes públicos. Um dos exemplos disso foi quando o empresário fez com que três vereadores atuassem “em benefício exclusivo dele em detrimento do interesse público do povo de Formosa”, para conseguir se apropriar de uma área pública.
Fonte: Metrópoles