O Ministério Público de Goiás (MPGO), por meio da 6ª Promotoria de Justiça de Formosa, conseguiu junto à Justiça anular todos os atos processuais de uma ação de reintegração de posse contra famílias do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) acampadas no Acampamento Dom Tomás Balduíno, na zona rural de Formosa.
A decisão reconheceu dupla nulidade absoluta no processo movido pelo espólio de José Maurício Bicalho Dias contra cerca de 218 famílias que ocupam a área desde 2015. A Justiça determinou que todos os atos processuais sejam invalidados, incluindo a decisão liminar que havia concedido anteriormente a reintegração de posse.
O MPGO sustentou que o processo apresentava graves irregularidades que violavam direitos constitucionais fundamentais. A promotora de Justiça Andrea Beatriz Rodrigues de Barcelos apontou duas nulidades principais que contaminavam todo o processo.
A primeira nulidade refere-se à ausência de citação adequada das famílias ocupantes. Conforme o artigo 554 do Código de Processo Civil, em ações possessórias coletivas envolvendo grande número de pessoas, deve ser realizada citação pessoal dos ocupantes encontrados no local e citação por edital dos demais, além de ampla publicidade sobre a existência da ação por meio de jornais, rádios locais e cartazes na região do conflito.
“No caso em análise, verifica-se que tais determinações legais não foram observadas no momento oportuno”, registrou a magistrada Marcella Sampaio Santos, da 1ª Vara Cível de Formosa na decisão. Segundo ela, a liminar foi concedida sem que todos os ocupantes tivessem sido citados adequadamente, prejudicando o exercício do contraditório e da ampla defesa.
A segunda nulidade reconhecida pela Justiça foi a falta de intimação do Ministério Público para acompanhar o processo desde o início, especialmente antes da concessão da liminar. O artigo 178, inciso III, do Código de Processo Civil determina a intimação do Ministério Público em processos que envolvam litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana.
“A obrigatoriedade de intervenção ministerial decorre do artigo 178, inciso III, do CPC, que impõe a intimação do Ministério Público para acompanhar os processos que envolvam interesse público ou social, pessoas incapazes, litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana”, destacou a decisão judicial.
O artigo 279 do CPC estabelece de forma clara que “é nulo o processo quando o membro do Ministério Público não for intimado a acompanhar o feito em que deva intervir”. A Defensoria Pública também deveria ter sido intimada desde o início, considerando a situação de hipossuficiência econômica das famílias envolvidas.
Histórico do conflito fundiário
O conflito teve origem em dezembro de 2015 (confira detalhes no Saiba Mais), quando o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) levou cerca de 300 famílias para a área, como parte da implementação do Plano Corumbá, destinado a assentar trabalhadores rurais que haviam ocupado a Fazenda Santa Mônica.
Foi firmado contrato de comodato entre o então proprietário José Maurício Bicalho Dias e representantes das famílias, com o Incra como interveniente. O contrato, inicialmente previsto para 90 dias, foi prorrogado e posteriormente passou a vigorar por tempo indeterminado.
As famílias relataram diversas violações de direitos humanos, incluindo corte de acesso à água potável, bloqueios de estradas, intimidações e ameaças. Apesar das dificuldades, conseguiram produzir cerca de 3,5 toneladas de feijão agroecológico, parte das quais foi doada à população carente de Formosa.
Reintegração de posse deixa de valer a partir da decisão
Com a decisão judicial, não existe atualmente ordem de reintegração de posse válida para a área. A magistrada determinou que seja realizada nova citação dos ocupantes, observando rigorosamente o procedimento especial previsto no artigo 554 do Código de Processo Civil.
A decisão também ordenou que seja dada ampla publicidade sobre a existência da ação por meio de editais em jornais de grande circulação regional, veículos radiofônicos locais e afixação de avisos nas proximidades da área do conflito.
O Ministério Público e a Defensoria Pública deverão ser intimados para acompanhar todos os atos processuais. Somente após a regularização completa da relação processual é que poderá ser analisado novamente eventual pedido de reintegração de posse.
O caso está sendo acompanhado pela Comissão de Soluções Fundiárias do Tribunal de Justiça de Goiás, que busca mediar o conflito de forma a garantir os direitos humanos das famílias envolvidas e encontrar soluções consensuais para a questão fundiária.