A cidade de São Paulo virou palco da maior atração política brasileira em 2024. A candidatura de Pablo Marçal está abalando as estruturas da enraizada disputa entre centro-direita e centro-esquerda, que domina o cenário eleitoral da cidade desde a redemocratização. Funcionais como um pêndulo, as eleições paulistanas eram divididas entre o malufismo e o petismo até meados dos anos 1990 e, posteriormente, configurava-se através de grupos tucanos versus petistas. Nada mais representativo nesse aspecto do que a última sequência envolvendo Fernando Haddad, Dória, Bruno Covas e Ricardo Nunes.
No início da atual disputa eleitoral, essa tendência sofreu algumas metamorfoses, quando o PSDB optou por José Luiz Datena, que, desta vez, efetivou sua candidatura, renovando o perfil midiático do ex-candidato Celso Russomano em eleições anteriores. Engajada e eleita deputada ainda jovem, Tabata Amaral também renovou a presença feminina na política paulistana, que já teve Erundina e Marta Suplicy à frente da prefeitura.
Entretanto, o maior fenômeno da disputa está sendo a ascensão de Pablo Marçal nas últimas semanas. Fruto de um novo tempo das redes sociais, o empresário e coach aparecia antes da campanha com uma margem de 5 a 7% das intenções de votos. Após o início da campanha, em meados de agosto, o candidato do PRTB já triplicou seus números e, atualmente, encontra-se empatado ou até mesmo liderando algumas pesquisas.
Considerado por alguns uma nova ameaça à democracia e, por outros, um novo líder da direita, Marçal representa algumas características de uma nova cultura política brasileira, inserida em um forte contexto de hiperglobalização do consumo, expansão das religiões neopentecostais e defesa do individualismo moderno. São esses três pilares que iremos analisar a seguir.
De acordo com o filósofo Gilles Lipovetsky, em seu livro “Felicidade Paradoxal”, a sociedade do hiperconsumo mercantilizou os modos de vida e os regimes democráticos ao criar uma nova dinâmica da expansão das necessidades prolongadas, carregadas de novos sentidos. Trata-se de “um consumidor de terceiro grau” que deambula nos centros comerciais gigantes, compra marcas mundiais, procura produtos light ou biodinâmicos, exige selos de qualidade e navega nas redes.
No que diz respeito à expansão das religiões evangélicas no Brasil, segundo o antropólogo Juliano Spyer, nos últimos 50 anos, o Brasil presenciou um crescimento vertiginoso das igrejas neopentecostais ao ponto de, em um futuro não tão distante, tais comunidades superarem o número de católicos no país. Para o autor do livro “Povo de Deus: quem são os evangélicos e por que eles importam”, essas novas comunidades religiosas souberam traduzir a mudança de mentalidade de diversos grupos de pessoas pobres que ascenderam e/ou lutam para ascender socialmente em um país que presenciou uma significativa redução da miséria nas últimas décadas.
Por fim, com o impacto da imensa personalização do poder nas redes sociais, youtubers, influencers e coachs, entre outras novas profissões virtuais, disputam uma nova arena de sociabilidade, permitindo que novos tipos de ídolos surjam na sociedade do espetáculo. Mensagens curtas, frases de efeito e edições de imagem cinematográficas possibilitam que o protagonista receba apoios instantâneos de seu público por meio de curtidas, engajamentos e compartilhamentos. Nesse cenário, a previsibilidade se esvai, enquanto uma nova direita surge.
Portanto, independentemente do resultado das eleições paulistanas, o impacto meteórico da candidatura de Pablo Marçal não se dissolveu no ar e já impactou o solo da política nacional. Trata-se de um bolsonarismo 2.0, que vem incomodando alguns setores da direita ao ganhar novos espaços nas redes sociais e disputar influência com a imagem de Jair Bolsonaro em uma das regiões mais populosas do país.
No campo das oposições, Marçal também criou um grande incômodo ao ponto de suas propostas e métodos pautarem o debate paulistano e transformar Guilherme Boulos e Tabata Amaral em candidatos mais conservadores do que suas trajetórias. Dessa vez, a direita “não teme em dizer os seus nomes”.
Victor Missiato, professor de História do Colégio Presbiteriano Mackenzie Tamboré, analista político e Doutor em História