As chuvas que devem cair na região Nordeste de Goiás no fim deste ano e início de 2023 preocupam a meteorologia e o Governo de Goiás. O volume acumulado estimado para dezembro é de até 500 milímetros (mm). Para se ter ideia do que isto significa vale observar a média histórica de Posse, município da região, para o último mês do ano: 278,4 mm.
Além da previsão de volumes acima da média histórica, a probabilidade de poucos dias com grandes volumes de precipitação também chama a atenção. Estas chuvas costumam causar mais danos.
A questão ganha contornos mais críticos por causa das características de relevo e infraestrutura. O nordeste goiano tem uma geografia com muitos morros e quantidade significativa de vias não pavimentadas, com comunidades de difícil acesso.
O Centro de Informações Meteorológicas e Hidrológicas do Estado de Goiás (Cimehgo) aponta que as regiões Centro, Norte e Nordeste podem ter chuvas acumuladas de 250 e 500 mm.
Gerente do Cimehgo, da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, André Amorim explica que os modelos climatológicos preveem a formação de um novo corredor de umidade na região em razão da zona de convergência do Atlântico Sul impulsionada pelo fenômeno La Niña.
“No ano passado tivemos La Niña e este ano, novamente. Este fenômeno traz uma redução de chuvas no Sul do país e uma concentração pluviométrica maior nessa região”, afirma o meteorologista. Entre dezembro de 2021 e janeiro deste ano, segundo o Governo de Goiás, 24 municípios goianos decretaram situação de emergência em razão das fortes chuvas, 17 deles na região Nordeste de Goiás, onde se concentram vários municípios com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Doutor em Meteorologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Angel Domínguez Chovert afirma que os modelos climatológicos observados pelo Centro de Excelência em Estudos, Monitoramento e Previsões Ambientais do Cerrado (Cempa-Cerrado), onde é pesquisador, apontam para volumes acumulados no trimestre vigente superiores aos da média histórica.
No entanto, o que mais preocupa Chovert é como as chuvas vão se apresentar. “Não dá para ter uma ideia quanto à intensidade da chuva, mas minha experiência e estudos sobre La Niña já mostraram, e os modelos de alta resolução do Cempa também, posso falar que realmente estamos esperando que esta precipitação seja muito intensa em dias específicos e depois fique em intervalos maiores”, detalha.
Pelas previsões do governo, 19 mil pessoas podem ser afetadas direta ou indiretamente pelas fortes chuvas e cerca de 280 estruturas, considerando casas, pontes e instalações públicas, podem ser danificadas. Quanto às rodovias, o cálculo é de que 21 trechos podem ser afetados.
O Cimehgo calcula 14 municípios com maior risco e outros 56 afetados em menor gravidade. São os seguintes municípios classificados com alto grau de risco: Cavalcante, Nova Roma, Alto Paraíso, São João D`Aliança, Água Fria de Goiás, Niquelândia, Mimoso de Goiás, Formosa, Uruaçu, Hidrolina, São Luiz do Norte, Pilar de Goiás, Teresina de Goiás e Itapaci.
Ex-presidente da Associação Goiana dos Municípios (AGM) nos anos 2011 e 2012, Luiz Stival acredita que os prejuízos à população local são acentuados por problemas estruturais.
“Se você não faz manutenção das estradas vicinais, recupera pontes, não cascalha trechos que estão transitáveis no período de seca, não faz a manutenção constante, a população sofre no período chuvoso”, considera Stival. (Colaboraram Deivid Souza e Fabiana Pulcineli)
Programa tenta mitigar possíveis danos
Diante da situação, o governo de Goiás anunciou nesta segunda-feira (31) um programa de medidas para lidar com situações de emergência na região e evitar os danos provocados na mesma época no ano passado. O pacote inclui ações preparatórias, de resposta e de reconstrução para 14 municípios de maior risco.
Na última virada do ano, quando também o índice de chuvas ultrapassou o normal, houve estragos em estradas, isolamento de cidades e desabrigados nas regiões Nordeste e Norte, quando 24 cidades decretaram situação de emergência.
As chuvas torrenciais na região mais pobre do estado elevaram o nível dos mananciais provocando isolamento. Elas revelaram a precariedade de um território carente de infraestrutura, o que exigiu ações emergenciais.
O pacote, batizado de Operação Nordeste Solidário, envolve 17 pastas da gestão e prevê reparos em rodovias, ações nas áreas de saúde e social, garantia de abrigo e outras frentes para mitigação de possíveis danos.
As ações incluem vistorias de estradas, mapeamento de abrigos, reforço de medicamentos, produção de 15 mil kits do Mix do Bem, aquisição de 2 mil colchões, 5 mil filtros de barro e 7 mil cobertores, distribuição de Aluguel Social, recuperação emergencial de vias e pontes e oferta de caminhão Pipa com água potável. O governo não apresentou cálculo de investimento no plano de ação.
O governador Ronaldo Caiado (UB) disse que a gestão estadual passa a antecipar os problemas, quando antes as ações eram reativas. “Era um estado que pecava por não estar preparado diante de problemas cíclicos ou frequentes, como enchentes, secas, queimadas, incêndios. Tudo isso pode ser muito bem previsto e ter ações para que consequências não sejam tão danosas”, afirmou.
O plano de contingência prevê também uma atenção especial às condições de trafegabilidade. Os temporais que caíram no Nordeste goiano entre o final de 2021 e o início de 2022 obrigaram a Agência Goiana de Infraestrutura e Transportes (Goinfra) a elaborar um plano emergencial. As chuvas comprometeram rodovias importantes, como a GO-118 entre Alto Paraíso e Teresina de Goiás. Um aterro a 47 km do entroncamento com a GO-239 cedeu na véspera do Natal e foi preciso interditar a rodovia. Um dos mais importantes destinos turísticos de Goiás, a Chapada dos Veadeiros teve sua economia impactada.
Coronel do Corpo de Bombeiros Militar Pedro Carlos Borges de Lira, Comandante de Operações de Defesa Civil, afirma que a instituição está pronta para apoiar a região, embora haja desafios. “Lá é uma região montanhosa, cheia de morros, acessos difíceis e isto acaba dificultando a inda mais as ações de resposta aos desastres de alagamentos.”
Gestor reclama
O prefeito de Flores de Goiás, a 450 km de Goiânia, Altran Avelar (DEM), disse nesta segunda-feira (31) que gasta uma média de R$ 300 mil por mês para resolver danos na infraestrutura do município provocados pelo último período chuvoso. O município, que ocupa o último lugar no Índice de Desempenho dos Municípios Goianos divulgado em outubro de 2021 pelo Instituto Mauro Borges de Pesquisas e Estatísticas (IMB), não entrou para a lista dos 14 que vão contar com monitoramento climático, reparos em rodovias e reforço em ações de saúde, segundo o plano de contingência para o Nordeste goiano.
“Flores é o município mais sujeito a alagamentos pela sua topografia”, lamentou Altran Avelar. Durante as últimas chuvas, a maior parte da população ficou isolada. “Na zona rural há muitos idosos, muita gente debilitada”, lembrou o prefeito.
Outro município que não entrou para a lista dos 14 prioritários foi Monte Alegre de Goiás. Ele é um dos três do Nordeste goiano que abrigam 39 comunidades do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga. Os outros dois, Cavalcante e Teresina de Goiás, foram considerados prioritários. As chuvas torrenciais trouxeram muitas dificuldades para o povo kalunga, cerca de 10 mil pessoas que vivem em áreas distantes e com uma geografia complicada.
Fonte: O Popular