Analisar desenhos e relatos pessoais escritos pelos jovens moradores da comunidade, com idades entre 8 e 17 anos, com o objetivo de responder a pergunta “O que é ser quilombola?”. Com essa ideia central, uma pesquisa da Universidade Federal de Goiás (UFG) buscou entender a construção identitária de crianças e adolescentes quilombolas da comunidade do Engenho II, localizada no Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga, no município de Cavalcante, Goiás.
A intenção da abordagem foi colocá-los como sujeitos históricos da comunidade e da sociedade em que vivem. A tese de doutorado, de título “Ser quilombola é muito incrível: identidades quilombolas das crianças Kalunga”, foi desenvolvida pela historiadora Kalyna Ynanhiá Silva de Faria no Programa de Pós-graduação da Faculdade de História da UFG.
Esses materiais, considerados produções historiográficas, produzidos pelas crianças destacam a essência da comunidade, da família e da natureza, mostrando elementos naturais, como as cachoeiras, trilhas, as festas religiosas, as danças, como a Sussa, além de relembrar os antepassados. De acordo com Kalyna, a utilização da linguagem cartográfica e da escrita foram instrumentos importantes para destacar os elementos e impactos provocados por contextos externos, como o turismo.
Segundo ela, as crianças estão em todos os ambientes e ocupam todos os espaços, como a escola, a família, as reuniões da associação, o campo de futebol, porém não decidem nada, apenas escutam. “Elas conhecem sua história, reconhecem a ancestralidade da comunidade, se percebem enquanto participantes de uma cultura afro-brasileira. O que não impede que os ranços escravistas ainda rondem a comunidade”, afirmou.
“Ser quilombola é ser preto, ter raça. Tem muita gente que tem racismo com os quilombolas, no motivo de sermos negros. Nós quilombolas [sofremos] muitos preconceitos, mas, nossos antepassados já sofreram muito, hoje nós temos muito orgulho deles do que eles nos deixaram de conhecimento”, afirmou um jovem de 15 anos para a pesquisadora.
Kalyna ainda diz que o preconceito e o racismo são percebidos e vividos pela juventude, mesmo com toda rede de apoio da comunidade, mostrando uma faceta sórdida do Brasil. “A importância de trabalhar com as crianças está na relação temporal, as futuras gerações e as possíveis consequências com as alterações no espaço, na construção dos valores e sentidos que têm maior potência para a comunidade, os elementos que se tornam basilares para este coletivo, tendo a perspectiva de sua permanência, resistência e identidade”, afirmou. Em relação à compreensão sobre a própria identidade, ela relembrou um dos relatos presentes na pesquisa, que diz respeito à resposta de um adolescente de 14 anos sobre “o que é ser quilombola?”. “Para mim ser quilombola é fazer parte do quilombo e das culturas. As orações, as festas, as rezas, as plantações, as sussas, os artesanatos, as folias”.
Fonte: Secom UFG