Júlio Cézar Busato, 64 anos, conhece o Oeste da Bahia como a palma da sua mão. Mas nem sempre foi assim. Busato nasceu manejando solo e dirigindo trator bem longe dalí, quase criança, numa fazendola gaúcha de 86 hectares em Casca, município de 9 mil habitantes a meio caminho entre Porto Alegre e Passo Fundo. Hoje, junto com três irmãos, são cultivados 28 mil hectares de algodão e 32 mil de soja e milho, distribuídos por nove fazendas que formam o Grupo Busato. Elas estão em São Desidério, Serra do Ramalho e Jaborandi, municípios nos arredores de Luís Eduardo Magalhães.
A paixão por máquinas, casada com a dedicação às lavouras, levou Busato a uma dobradinha nos negócios da família: hoje, seu cultivo de algodão é referência da pujança do oeste baiano e de seu potencial e, de quebra, eles testam máquinas e tecnologias de ponta. Os irmãos são concessionários da única Fendt na região, marca do grupo americano AGCO, e fabricante de colheitadeiras entre as mais potentes do mundo.
Lá atrás, Busato puxou a fila. “Conheci primeiro o Mato Grosso e depois a Bahia, que eram as duas fronteiras agrícolas da época. Mas escolhi a Bahia porque a região tinha uma capacidade muito grande para irrigação, uma logística melhor, e está no Nordeste, que tem uma demanda muito grande por alimentos”, disse Busato em entrevista exclusiva à Forbes, durante a Bahia Farm Show. Na ocasião, ele estava na feira como comprador. “Já tenho 12 máquinas, mas talvez até o final leve mais alguma.” A feira é a segunda mais importante do país em tecnologia, atrás apenas da Agrishow, em Ribeirão Preto (SP), com movimento estimado acima de R$ 10 bilhões neste ano.
Busato foi o primeiro produtor da região a usar a irrigação de pivô no algodão. Em 1997, ele arrendou 2.500 hectares e montou cinco pivôs em 210 hectares, onde pretendia plantar feijão. “Quando fui começar o plantio, surgiram uns bichinhos”, diz ele. “Era a mosca branca, a principal praga do feijão.” No mesmo dia, Busato decidiu dar ouvidos a um amigo que era entusiasta do algodão. “Eu já tinha alugado os pivôs para o feijão, estava voltando para casa sem saber o que dizer para os meus irmãos, quando tomei a decisão de plantar algodão”, lembra. Como o restante da fazenda era soja, para o algodão ele arrendou outros 300 irrigados. Hoje, do total dos 28 mil hectares, 7 mil são irrigados.
O produtor se tornou o “rei do algodão”. Na safra 2023/24, eles colheram 363 arrobas de algodão em capulho por hectare, sendo 148 de pluma e 215 de caroço. Em média, a produtividade em área irrigada é de 350 arrobas, 10 arrobas a mais que o plantio de sequeiro, segundo a Associação Baiana de Produtores de Algodão (Abapa). Hoje, o algodão é o carro chefe do Grupo.
O protagonismo da família Busato levou Júlio a presidir a Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), que representa 1.300 produtores da região, e a Abapa, onde ele emplacou os projetos Cotton Cotton Brazil e Sou de Algodão, que promovem a rastreabilidade e sustentabilidade na cadeia e o acesso a mercados internacionais. Ele foi um dos fundadores das duas entidades. Mas para chegar até aqui, o caminho foi longo. Aos 24 anos, prestes a se formar em agronomia, o sonho de fazer uma agricultura irrigada levou a família de mala e cuia para a região até então remota na Bahia.
O começo impossível
O pai, Hélio, a mãe, Olívia, e os irmãos, Roberto, Marcos e André, chegaram em São Desidério em 1987, e logo arrendaram uma propriedade de 880 hectares para plantar soja e milho, e fundaram o Grupo Busato. “No nosso segundo ano, plantamos 1.500 hectares de soja. Mas tivemos muitas dificuldades no começo, porque não tinha rodovia, energia elétrica, telefone, escola, hospital, nada”, diz ele. Naquela época, o oeste baiano começava a desenvolver sua atividade agrícola com a chegada dos primeiros produtores vindos principalmente do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, Goiás e Mato Grosso.
Mesmo ouvindo que era impossível “fazer agro” na região, por conta dos solos considerados pobres e arenosos, com pouca matéria orgânica e nutrientes, características que inviabilizam o plantio de soja, ele insistiu. “O solo é pobre, mas é plano, o que nos permite usar máquinas enormes e altamente tecnológicas. Nos últimos 40 anos, ele se transformou em um solo rico”, diz. E deu certo.
Hoje, a Bahia é responsável por 89,9% da produção de grãos no estado e 3,3% do montante nacional, e se destaca pelo cultivo de algodão. O estado também é o segundo maior produtor de algodão no Brasil, atrás apenas do Mato Grosso. No ciclo 2023/24, o estado produziu 1,45 milhão de toneladas, equivalentes a 19% da produção nacional.
A outra paixão
Agora, após 40 anos se dedicando apenas à lavoura, Busato, sem deixar o algodão de lado, voltou suas atenções para uma antiga paixão: as máquinas agrícolas. Durante a conversa com a equipe da Forbes, ele fez questão de se sentar em uma poltrona que ficava de frente para gigantes tratores, pulverizadores e colheitadeiras que têm potência de 79 a 847 cavalos. E os olhos brilhavam.
“Com 13 anos eu era tratorista em uma máquina que não tinha nem cabine. Agora nós temos máquinas acima de 500 cavalos. Puxávamos uma plantadeira de 9 linhas e hoje fazemos com 60 linhas”, disse Busato, que fez questão de ensinar os seus primeiros funcionários, na fazenda de 880 hectares, a dirigir tratores. “Naquela época, tinha aquela ideia equivocada de que baiano é preguiçoso. Mas eles só precisavam de uma oportunidade. Então, eu dei um manual para eles, tirei dúvidas e depois os treinei”, conta. Segundo Busato, nenhum dos seus funcionários sabia ler, então, ele leu o manual para a equipe durante uma semana. “O que eu fiz foi ensinar, treinar e preparar. Ainda tenho funcionários daquela época comigo.”
O mesmo tempo que tem de vida, Busato tem de agro. Ele já acompanhou grandes transformações do setor, do início da soja à modernização das máquinas agrícolas e o desenvolvimento do Oeste baiano. Nos próximos anos, que continuarão sendo bem vividos, segundo ele, Busato quer ver o agro alavancar. “Eu achava que ia demorar para sermos os maiores produtores mundiais de algodão, mas agora, talvez em cinco, nós chegamos lá. Temos tudo para isso”, afirma. Ele completa que a tendência para o setor tem nome: biocombustíveis. E a Bahia também pode ser protagonista desse futuro já em curso. “O caroço do nosso algodão já é transformado em óleo. Se usarmos a terra e água com inteligência, temos uma grande oportunidade.”
Fonte e texto: Forbes Brasil