Em março de 2023, o paulista Geraldo Vaz Junior, de 58 anos, passou por um transplante de fígado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, como paciente do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional (Proadi) do SUS. O procedimento visava tratar a cirrose hepática causada por hepatite C, que o mantinha na lista de espera nacional para transplantes.
Meses após a cirurgia, sintomas de alterações hepáticas levaram à realização de uma ressonância magnética, que identificou seis nódulos no fígado transplantado. A biópsia revelou a presença de adenocarcinoma, um tipo de tumor maligno. Um exame de DNA posterior confirmou o que parecia improvável: o câncer havia se originado no fígado doado, e não no corpo de Junior.
Segundo a médica especialista em medicina legal e perícia Caroline Daitx, os exames comprovaram que as células tumorais possuíam cromossomos femininos (XX), enquanto Junior é homem cis (XY). “É como se as células do tumor ‘assinassem’ que vieram de uma mulher, não dele”, explicou.
Em maio de 2024, Geraldo passou por um retransplante de fígado. No entanto, em agosto, exames detectaram metástase no pulmão, caracterizando adenocarcinoma invasivo com as mesmas características das células cancerígenas do fígado transplantado.
A esposa de Junior, Márcia Helena Vaz, desabafou sobre a situação: “Não cabe, nesse caso, um silêncio institucional. Por favor, não cabe. O silêncio produz uma margem para que o erro continue acontecendo”. Desde setembro, o casal tem buscado explicações pelas redes sociais e pelas ruas de São Paulo, pressionando por investigações sobre o que ocorreu durante o transplante.
Especialistas ressaltam que casos como o de Junior são extremamente raros, com incidência inferior a 0,03%. O oncologista Paulo Hoff, da FMUSP, destaca que, apesar da triagem rigorosa de órgãos, tumores ocultos ou micrometástases podem passar despercebidos, sendo um risco inerente ao transplante que deve ser discutido com o paciente.
O Ministério da Saúde afirmou que todos os protocolos internacionais foram seguidos antes da doação, incluindo histórico médico do doador, inspeção do órgão e entrevistas com familiares. A pasta acompanha o caso junto à Central Estadual de Transplantes e ao hospital responsável. A Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo reforçou que exames clínicos e laboratoriais rigorosos são realizados para minimizar os riscos de transmissão de doenças.
Hoje, Geraldo enfrenta quimioterapia contínua para controlar a metástase, sem previsão de cura. Ele, que trabalhava como técnico de eletrodomésticos, não possui mais condições de exercer suas funções.
Márcia Helena Vaz pede respostas e mudanças nos procedimentos de doação: “Primeiro, precisamos saber onde ocorreu o erro e quem o cometeu. Hoje é o Geraldo, amanhã pode ser o Antônio, depois o José”.
