O Cerrado é o segundo maior bioma da América do Sul, possui mais de 4,8 mil espécies endêmicas de plantas e vertebrados e abriga nascentes de rios que compõem as principais bacias hidrográficas brasileiras. Originalmente, o estado de Goiás possuía 97% de seu território ocupado pelo bioma.
No entanto, o Cerrado enfrenta também a maior fronteira de expansão agrícola no país. Em São Domingos, no nordeste goiano, que tem uma grande fronteira agrícola com o oeste da Bahia, a área de cerrado desmatada já é 21% maior em 2023, se comparada ao mesmo período de 2022.
No texto publicado em uma das mais importantes revistas científicas internacionais, os pesquisadores ressaltam que mais da metade da vegetação nativa do Cerrado já foi perdida e que em 2022 houve a maior taxa de conversão do bioma em sete anos: mais de um milhão de hectares de vegetação natural foram convertidos em áreas agrícolas.
No primeiro semestre de 2023, o Sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real (Deter) registrou um aumento de mais de 20% no desmatamento do Cerrado, em comparação com o mesmo período do ano anterior. Esse índice vai na contramão do que foi observado na Amazônia, com redução de 33,6% nos alertas de desmatamento. Projeções indicam uma extinção sem precedentes de espécies endêmicas de plantas no bioma – cerca de 480 espécies – até 2050.
Mudanças climáticas
Além da grande biodiversidade, o professor Manuel ressalta que o Cerrado possui um importante papel no estoque de carbono. Apesar da menor quantidade de biomassa e de carbono na superfície, o bioma tem uma grande reserva de carbono em seu solo, acumulada na matéria orgânica e nas raízes. Sendo assim, o Cerrado tem um grande potencial de mitigar os efeitos das mudanças climáticas.
Entretanto, o próprio bioma vem sofrendo as consequências dessas mudanças. Os efeitos podem ser observados na mudança no padrão das chuvas, no aumento da temperatura média e na perda da biodiversidade e do potencial de recursos gênicos não estudados. Segundo o vice-coordenador do Lapig, já há registros de temperaturas em torno de três graus Celsius acima da média.
“Há cenários que apontam um aumento entre três e cinco graus Celsius na temperatura até o fim deste século. O Cerrado é um bioma que dificilmente conseguirá se adaptar a essas mudanças”, alerta. Para o ser humano, os impactos já podem ser sentidos, por exemplo, na qualidade do ar e do solo e na disponibilidade hídrica. O texto publicado na Nature Ecology & Evolution lembra ainda que o Cerrado é o local onde vivem populações indígenas e comunidades tradicionais que dependem do uso sustentável dos recursos naturais.
Moratória da Soja
Para ilustrar o problema, os pesquisadores citam a exclusão do Cerrado da chamada Moratória da Soja. Essa estratégia tem sido adotada desde 2006 por indústrias de óleos vegetais e de cereais, que se comprometeram a não comercializar soja proveniente de áreas que tivessem sido desmatadas dentro da Amazônia Legal.
“Os mesmos esforços para combater o crescente desmatamento na Amazônia também devem ser estendidos para combater a perda de vegetação natural no Cerrado e em outros biomas brasileiros”, reforçam os signatários. Atualmente, apenas 3% do bioma está sob proteção legal e 62% de todos os remanescentes do Cerrado estão localizados em propriedades privadas.
Pesquisadores pedem a inclusão do Cerrado nas discussões da COP28
Uma carta assinada por 45 pesquisadores de instituições de todo o mundo – incluindo a Universidade Federal de Goiás (UFG) – publicada na Nature Ecology & Evolution na última segunda-feira (6/11) pede a inclusão do Cerrado nas discussões da 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 28), a ser realizada em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, entre 30 de novembro e 12 de dezembro de 2023. Entre os signatários estão cinco professores da UFG e uma egressa do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução (PPGEcoEvol).
O texto aponta que a ênfase global em combater o desmatamento não reconhece a biodiversidade e a prestação de serviços ecossistêmicos de biomas não florestais, como o Cerrado brasileiro, que acabam sendo negligenciados na formulação de políticas públicas.
“Tradicionalmente existe essa ideia de que o Cerrado – e o mesmo vale aqui no Brasil para a Caatinga e para os Pampas – é um bioma menos importante porque não tem ‘florestas’ ou ‘matas’ em maior proporção, e a imagem que as pessoas e os tomadores de decisão têm é de que são áreas abertas que não têm muita biodiversidade”, afirma o professor José Alexandre Felizola Diniz Filho, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) e vice-coordenador do PPGEcoEvol.
Entretanto, como acrescenta o professor Manuel Eduardo Ferreira, do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa), o Cerrado possui uma importância tão grande quanto a da Amazônia em termos de biodiversidade e de recursos naturais. “Ainda assim, o bioma se encontra em uma situação bastante desfavorável em relação a políticas públicas, legislação e esforços governamentais para o combate ao desmatamento e para a sua conservação”, pontua o professor, que é vice-coordenador do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig).
Fonte: Jornal da Universidade Federal de Goiás