Dois policiais militares foram condenados e cinco foram absolvidos pelo júri popular após a morte de quatro homens durante uma ação policial em Cavalcante, na região nordeste de Goiás. O julgamento realizado em Goiânia, encerrou na madrugada desta quinta-feira (21) e contou com 13 testemunhas. A decisão cabe recurso.
De acordo com a denúncia do Ministério Público de Goiás (MPGO), o crime ocorreu em janeiro de 2022 e as vítimas foram executadas com 58 tiros. O julgamento teve início na manhã de terça-feira (19) e foi presidido pelo juiz Lourival Machado da Costa, da 2ª Vara dos Crimes Dolosos contra a Vida.
O sargento Aguimar Prado de Morais recebeu a pena de 13 anos e 9 meses de prisão em regime fechado por homicídio qualificado contra Antônio da Cunha Fernandes, de 35 anos. Já o soldado Luís César Mascarenhas Rodrigues foi sentenciado a 6 anos de prisão em regime semiaberto pelo homicídio de Salviano Souza, de 63 anos.
A defesa do soldado informou que respeita a decisão, mas que houve um equívoco na votação de um dos quesitos e “já estuda as medidas jurídicas cabíveis para a correção do julgamento, sempre com confiança na Justiça e nos princípios constitucionais”. Já a defesa do sargento destacou que irá analisar o caso e, possivelmente, entrará com recurso de apelação.
A advogada Márcia Teixeira, que defendeu o cabo Jean Roberto, disse que foi comprovado que “não houve execução, como sustentava o Ministério Público, mas uma reação necessária diante de agressão real e iminente, indispensável à preservação da própria vida”.
O advogado Tadeu Bastos, que representou Welborney, pontuou que “a justiça foi restaurada, pelo menos para parte desses acusados, ficou claro o que aconteceu naquele dia, a polícia estava em uma operação legítima e se defendeu com os meios que tinha para repelir a injusta agressão”.
O advogado Rodrigo Lustosa, que defendeu Mivaldo, destacou que “o julgamento se realizou de forma legal, ética e rigorosamente em conformidade com a realidade probatória constante dos autos. Nesse sentido, a decisão do júri – em relação ao acusado Mivaldo José – é justa e irreparável”.
Em nota, a advogada Gilsária Lourenço, resposponsável pela defesa de Eustáquio, afirmou que o “Tribunal do Júri reconheceu a ausência de participação de Eustáquio nos fatos discutidos. Assim, restou devidamente reconhecida sua inocência, afastando-se todas as imputações que injustamente lhe foram atribuídas”.
A reportagem entrou em contato com a defesa dos outros policiais, para que pudessem se posicionar sobre o caso, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.
Em nota, a Polícia Militar de Goiás (PMGO) destacou que “à época dos fatos, adotou prontamente todos os procedimentos administrativos cabíveis, em conformidade com a legislação vigente”. Além disso, a corporação frisou que segue colaborando com o Poder Judiciário.
Condenação e absolvição
No documento de decisão, o juiz destacou que o sargento Aguimar comandou a operação “sem planejamento, com informações distorcidas acerca das vítimas; resultando numa ação criminosa e morte das vítimas”.
A respeito da morte de Antônio, foi constatado que “as circunstâncias do crime apresentam aspecto negativo, haja vista que o réu na companhia dos corréus, invadiram o imóvel da vítima, simulando uma operação e a executaram despropositadamente”.
Inicialmente, o sargento foi condenado a 16 anos e 6 meses de reclusão, mas por ter confessado o crime, a pena foi reduzida em 1/6 e fixada em 13 anos e 9 meses. O cumprimento deve ser imediato, definiu o juiz.
Em relação ao soldado Luís Cesar, a culpabilidade pela morte de Salviano foi considerada média, pois havia recebido ordens de seu superior hierárquico. A pena de seis anos deve ser cumprida, inicialmente, em regime semiaberto.
O júri popular absolveu os outros cinco réus pela participação nas mortes de Ozanir Batista da Silva, de 47 anos, e Alan Pereira Soares, de 27 anos. Confira abaixo a lista de absolvição:
Mivaldo José Toledo
Jean Roberto Carneiro dos Santos
Ítallo Vinícius Rodrigues de Almeida
Welborney Kristiano Lopes dos Santos
Eustáquio Henrique do Nascimento
O crime aconteceu no dia 20 de janeiro de 2022. Na data, a PM informou à Polícia Civil que uma equipe foi a uma propriedade rural, em local ermo e de difícil acesso, após receber uma denúncia de que ali haveria uma grande plantação de maconha. No registro, os PMs relataram que, chegando ao local, foram recebidos a tiros por um grupo e, por isso, tiveram que revidar com quase 60 tiros.
Ainda de acordo com o depoimento dos, além dos quatro que foram baleados e morreram, havia outras três pessoas, que conseguiram fugir.
Dias após as mortes, o delegado Alex Rodrigues, que investigava o caso inicialmente, contou que os PMs disseram que constataram que havia cerca de 500 pés de maconha no local, além de porções prensadas e outras prontas para consumo. No entanto, parte da droga foi incinerada no local antes da chegada da equipe da Polícia Civil. Essa ação não é a de praxe, segundo o delegado.
O inquérito foi concluído pela Polícia Civil, que indiciou os policiais militares pelos crimes de homicídio qualificado e fraude processual, no dia 4 de março de 2022.
Ainda em março, os militares foram denunciados pelo Ministério Público. Conforme a denúncia, um laudo apontou que uma das vítimas foi atingida quando já estava caída ao chão. O órgão apurou que os PMs ainda queimaram a vegetação do local para destruir a prova de que lá não havia uma plantação de maconha do tamanho que eles tinham informado.
Após o crime, mais de 100 entidades da sociedade civil organizada e de movimentos sociais assinaram uma nota de repúdio contra a ação da Polícia Militar. Na nota, eles pediram por justiça e divulgaram ainda a identidade dos mortos durante a ação policial.
“Salviano, Chico Kalunga, Jacaré e Alan eram conhecidos por todos da comunidade e muitos possuem estórias pra contar dos momentos vividos juntos. Não eram pessoas violentas, não andavam armados. Eram pacíficos”, relatou o documento.
Confira abaixo quem era cada uma das vítimas:
Salviano Souza da Conceição: tinha de 63 anos, morava na chácara invadida pela polícia, era trabalhador rural e guia turístico;
Ozanir Batista da Silva: tinha 47 anos, conhecido como jacaré, era trabalhador rural, mas estava desempregado. Ele estava no local para ajudar na colheita de uma lavoura de milho, segundo a família;
Antônio da Cunha Fernandes: tinha 35 anos, conhecido como Chico Kalunga e era quilombola Kalunga, natural da Comunidade da Barra de Monte Alegre. Era trabalhador rural e também estava desempregado.
Alan Pereira Soares: tinha 27 anos, já trabalhou formalmente como entregador e auxiliar de máquina industrial, mas estava desempregado e passou a sobreviver de trabalhos informais como capina de terrenos. Ele deixou uma filha de seis meses e uma companheira grávida de três meses.
Leia na íntegra a nota da Polícia Militar de Goiás
A Polícia Militar de Goiás (PMGO) informa que, à época dos fatos, adotou prontamente todos os procedimentos administrativos cabíveis, em conformidade com a legislação vigente.
O caso encontra-se em tramitação na esfera judicial, instância responsável pela condução das demais fases e pelas deliberações processuais. A Corporação reitera que segue colaborando com o Poder Judiciário e cumprindo integralmente suas decisões.
Assessoria de Comunicação Social 5ª Seção do Estado-Maior Estratégico da PMGO
Ver essa foto no Instagram