Um dos cenários naturais mais surpreendentes do Brasil acaba de ser revelado ao grande público: o Vale de Marte, localizado em uma propriedade rural no município de Campos Belos, no Nordeste Goiano. O local abriga a maior concentração já registrada no país de chaminés de fada — formações geológicas raras esculpidas pela ação da erosão fluvial ao longo de centenas de anos. Mas junto com a fama repentina, cresce também a preocupação com a fragilidade desse patrimônio natural.
A área, equivalente a 28 campos de futebol, foi esculpida por um antigo rio que hoje corre de forma subterrânea. Durante as chuvas, acredita-se que seu leito ainda alcance a superfície, mas a tendência é de que a água se torne cada vez mais rara devido às mudanças climáticas e à intensa irrigação das lavouras na divisa com a Bahia.
O cenário — que lembra paisagens de outro planeta — ganhou o apelido de Vale de Marte por sugestão da empresária Fabiane Carla Gontijo Cardoso, de 45 anos, responsável por idealizar o local como um dos futuros atrativos turísticos do Nordeste Goiano. A inspiração veio de uma das fotos feitas pelo fotógrafo Lucas Ninno, publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, que viralizou por destacar o tom avermelhado das rochas sob o céu intensamente azul da região.
O “descobrimento” do Vale de Marte ocorreu após a divulgação nacional, em 4 de outubro, de uma reportagem que revelou as formações geológicas de Campos Belos. Desde então, o número de pedidos de visitação não para de crescer. “O volume de mensagens e ligações que chegam é imenso”, contou o vereador Rodrigo Ferreira da Silva (MDB), de 42 anos, um dos filhos do proprietário da fazenda onde estão as formações.
Apesar do entusiasmo, Fabiane e Rodrigo reconhecem o risco de abrir o local ao turismo sem um plano adequado de preservação. “Sabemos o perigo de uma visitação desordenada. Essas formações são extremamente frágeis”, alertou Fabiane.
Para garantir a proteção do patrimônio, o grupo busca apoio do poder público e de especialistas da Universidade Federal de Goiás (UFG) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Desde abril, geólogas da UFG — Joana Paula Sanchez e Fernanda Canile — realizam o mapeamento geológico e geomorfológico da área.
As chaminés de fada são estruturas moldadas pela erosão de antigas correntes de água sobre sedimentos frágeis, criando colunas de rocha com topos mais resistentes — algumas ultrapassam três metros de altura. Fenômenos semelhantes são encontrados em regiões desérticas da Turquia, Estados Unidos e França, mas são raríssimos no Brasil.
Segundo as pesquisadoras, o fim do rio que formou o Vale de Marte impede que novas grandes chaminés se formem, embora centenas de pequenas estruturas ainda possam surgir com o tempo.
A professora Joana Sanchez acredita que o turismo é possível, mas deve ocorrer com responsabilidade. Ela propõe trilhas controladas, visitas guiadas e passarelas suspensas para evitar o contato direto com as formações. “Os grupos precisam ser pequenos e acompanhados por guias treinados. É um espaço para contemplação, não para exploração”, explicou.
O desafio, porém, está no financiamento. A empresária e os proprietários afirmam não ter recursos próprios para investir na estrutura necessária. A busca por linhas de crédito estaduais ou federais ainda é uma possibilidade em estudo.
Outra opção em discussão é transformar o espaço em um Monumento Natural, categoria de unidade de conservação que permite a proteção integral sem necessidade de desapropriação. No Brasil, existem apenas cinco áreas reconhecidas nesse modelo, sendo a mais recente o Monumento Natural Cavernas de São Desidério, na Bahia.
Especialistas alertam que, sem medidas urgentes de proteção e manejo sustentável, as chaminés de fada podem desaparecer do mapa. O fenômeno natural que levou séculos para se formar pode ser destruído em poucos anos pela ação humana descontrolada.
“É um tesouro do Nordeste Goiano. Mas para que ele continue existindo, é preciso conciliar turismo e conservação”, conclui Fabiane.
Fonte: O Popular