A Justiça negou o pedido de liberdade a cinco dos sete policiais militares acusados de matar quatro pessoas em uma chácara em Cavalcante, na Chapada dos Veadeiros, em janeiro deste ano. O Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) acusou a defesa dos policiais de uma manobra para atrasar o processo judicial e, assim, conseguir a soltura alegando demora no trâmite para o julgamento dos réus.
O interrogatório dos sete policiais estava previsto para o dia 19 de agosto, mas foi adiado pela Justiça após pedido da defesa dos mesmos para que fosse juntado ao processo o termo de exibição e apreensão de alguns objetos apreendidos pelos réus durante a ação policial que resultou nas mortes.
Os depoimentos fazem parte da sessão de audiência de instrução e julgamento iniciada em meados de julho com a oitiva de testemunhas de acusação e defesa. Após esta etapa, advogados e MP-GO apresentam alegações finais e a Justiça decide se o caso vai ou não para júri. Os policiais estão presos desde 25 de fevereiro.
Os sete policiais são acusados de invadir as chácaras vizinhas de Saviano Souza Conceição, de 63 anos, e de Ozanir Batista da Silva, o Jacaré, de 46 anos, e executarem eles e também Alan Pereira Soares, de 28, e Antônio Fernandes da Cunha, o Chico Calunga, de 35. Os quatro estavam juntos na propriedade de Ozanir, trabalhando, quando os policiais chegaram. A defesa dos réus alega que os sete foram ao local checar uma denúncia de tráfico e foram recebidos a tiros.
Sequência de datas
No dia 17, o juiz Rodrigo Victor Foureaux Soares, da Vara Criminal de Cavalcante, adiou a audiência dos réus após resposta da Polícia Civil de que o documento pedido pela defesa não fora lavrado e deu três dias para que todas as partes se manifestassem sobre isso.
No dia 18, o soldado Welborney Kristiano Lopes dos Santos entrou com o primeiro pedido de soltura, alegando excesso do prazo para a instrução processual e de tempo na prisão a espera do julgamento. O juiz negou o pedido na manhã desta quarta-feira (24).
No dia 19, entraram em conjunto com o mesmo pedido os sargentos Aguimar Prado de Morais e Mivaldo José Toledo e os soldados Luís César Mascarenhas Rodrigues e Ítallo Vinícius Rodrigues de Almeida. Neste caso, a decisão do magistrado saiu no começo da noite de terça-feira (23).
No dia 20, foi a vez do cabo Jean Roberto Carneiro dos Santos pedir para ser solto. Com relação a este, ainda não houve uma resposta da Justiça, pelo menos até a conclusão desta reportagem. O único que não entrou com pedido foi o soldado Eustáquio Henrique do Nascimento.
No dia 22, o Ministério Público se manifestou no processo principal, o da chacina em Cavalcante, sobre a alegada manobra da defesa e pediu urgência na definição de uma nova data para o interrogatório. No dia seguinte, o juiz agendou a audiência para o dia 5 de setembro.
Denúncia de manobra
Os documentos cobrados pela defesa dos policiais foram apresentados pelo MP-GO na petição em que pediu a remarcação do interrogatório. Ao se manifestarem sobre os pedidos de liberdade, os promotores responsáveis pelo caso afirmam que a perícia nos materiais apreendidos requisitada pelos advogados já estava arrolada tanto no inquérito que apurou a chacina como o que apurou a suposta denúncia usada como argumento pelos PMs para entrar nas chácaras.
“Logo, o que se tem, a bem da verdade, é que a defesa intenta protelar o curso da ação penal para pleitear a revogação das prisões dos réus por suposto excesso de prazo no encerramento da primeira fase do júri”, afirmaram os promotores na resposta dada ao pedido proposto pela defesa de Aguimar, Mivaldo, Luís e Ítallo.
Já a defesa dos policiais alega que eles estão presos pelo dobro do tempo que a lei permite e argumenta que o processo se encontra tramitando de forma lenta em decorrência de erros no trabalho da Polícia Civil, mais especificamente com relação à alegada falta de perícia no material supostamente apreendido pelos PMs nas chácaras.
“Não se pode dizer que as defesas tenham contribuído para a lenta marcha processual, ao contrário, dispensaram mais de uma dezena de testemunhas, com o claro propósito de adiantar o passo procedimental. A única razão explicativa para a arrastada cadência do feito é por demais conhecida, qual seja: a forma anômala (para dizer o menos) com que laborou a autoridade policial condutora do inquérito policial”, afirmaram os advogados.
Em sua decisão mais recente, dentro do processo principal, o juiz argumenta que o material apreendido aparece descrito, como exigiu a defesa, em uma série de laudos e que, apesar de os advogados terem entrado com pedidos de soltura em autos paralelos, ficaram quietos dentro do prazo de 3 dias dado por ele para se manifestarem após o adiamento do interrogatório.
“Quanto à ausência de lavratura do termo de apreensão, verifico, ao menos neste momento processual, que não gera óbices à designação do interrogatório judicial e conclusão da instrução processual, sobretudo considerando que não obstante ausente aludido termo, consta o laudo pericial de todas as substâncias apreendidas naquele contexto (juntados nos autos principais)”, explicou o magistrado em uma das sentenças.
Ao analisar os pedidos de soltura, o mesmo magistrado negou que esteja havendo excesso de prazo para a instrução processual e que as acusações contra os policiais são muito graves para justificar a manutenção das prisões.
O juiz lembrou que há testemunhas no serviço de proteção e citou o depoimento de algumas delas, mostrando que não houve confronto e que antes de serem mortas as vítimas foram rendidas.
“Não basta o mero somatório aritmético dos prazos legais para que constate a ilegalidade da prisão ou mesmo a presença de eventual nulidade processual, devendo o magistrado auferir as peculiaridades do caso concreto”, escreveu Rodrigo.
A reportagem tentou, sem sucesso, contato com a defesa dos policiais e com um dos promotores responsáveis pelo caso. Até a conclusão desta reportagem, nenhum deles respondeu.
Investigação avançou após comoção
A execução de quatro pessoas em uma chácara em Cavalcante, no dia 20 de janeiro, passou a ser investigado pela Polícia Civil com a supervisão do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) após uma série de protestos de populares que conheciam as vítimas. Até então, a notícia que vinha sendo veiculada era a de que os policiais militares haviam encontrado uma plantação de maconha na propriedade rural e foram recebidos a tiros pelos suspeitos.
As investigações mostraram, entretanto, que não houve confronto, que as vítimas foram rendidas pelos policiais e que no local não havia plantação de maconha, pelo menos não no tamanho informado pelos acusados. Dos 600 pés anotados pelos PMs, foi constatada a possível presença de apenas 5, e para consumo próprio de uma das vítimas, dona de uma das chácaras.
Levantamento feito pelo POPULAR mostra que chega a 24 o total de mortes em ações policiais nas quais aparece o nome de pelo menos um dos acusados. Alguns destes casos já tiveram os processos arquivados e na maioria as investigações não avançaram.
Quando determinou a prisão dos policiais, em fevereiro, o juiz Rodrigo Victor Foureaux Soares, da Vara Criminal de Cavalcante, destacou os depoimentos de algumas testemunhas, afirmando que pelo menos uma das vítimas já vinha sendo ameaçada por um dos policiais investigados, e que os acusados admitiram terem efetuado 58 disparos, mas no local foram encontrados poucos vestígios dos tiros, indicando que a cena do crime foi manipulada pelos mesmos.
Pelo menos duas testemunhas confirmaram durante audiência de instrução e julgamento que as vítimas foram rendidas pelos policiais e levadas de uma chácara para outra antes de serem mortas. E a perícia feita no local, mesmo dias após o fato, encontrou elementos que apontam para a execução, como um tiro que teria sido disparado de cima para baixo, em direção ao solo acertando provavelmente alguém deitado.
Antes da prisão dos policiais, uma testemunha, mulher de uma das vítimas, contou que no dia do enterro se sentiu intimidada de comparecer ao local porque uma viatura policial ficava rondando as proximidades e que dois dos acusados estavam envolvidos na morte de um ex-namorado dela, em Niquelândia, mas que o caso não foi investigado. Em ambas as ocasiões, a testemunha disse que estava junto das vítimas, mas que foi poupada por estar grávida nas duas vezes.
Os acusados estão detidos no presídio militar em Goiânia e já foram intimados para o interrogatório previsto para o dia 5 de setembro. Após a oitiva, há um prazo para as alegações finais da defesa e da acusação e, então, a definição do juiz sobre o júri.
Fonte: O Popular