O município de Monte Alegre de Goiás, no nordeste goiano, conta com apenas 62 empresas ativas, onde trabalham 463 funcionários registrados (IBGE/2020). A média do rendimento mensal dos trabalhadores formais é de 1,7 salário mínimo, uma das mais baixas do estado (173ª posição entre os 246 municípios). A taxa de escolarização (218ª) e o Produto Interno Bruto (239ª) também amargam as derradeiras posições.
Apenas 8,3% dos domicílios da cidade contam com esgotamento sanitário, e uma pequena parte das vias públicas é urbanizada com bueiro, calçada, pavimentação e meio-fio.
A maior parte da população de 8.759 pessoas, no entanto, se ocupa no serviço público municipal, na agropecuária de subsistência, em atividades informais ou é beneficiária de programas sociais.
Mas, por trás dos números desconfortantes, Monte Alegre conta com um precioso tesouro, um território de 3.119,860 km² que justifica o seu nome. A natureza exuberante do Cerrado abriga nascentes e uma rica fauna e flora, ainda preservadas.
Encravado no município, nos limites de Cavalcante e Teresina de Goiás, também está o sítio histórico que abriga o Patrimônio Cultural Kalunga (Lei Estadual 11.409/1991), o maior do país em extensão (230 mil hectares), onde vivem cerca de quatro mil quilombolas. O local foi reconhecido pela ONU (2021) como o primeiro Território e Área Conservada por Comunidades Indígenas e Locais (Ticca) do Brasil.
Alternativa de renda
Dentro do território Kalunga, distante 65 km da sede de Monte Alegre, a comunidade quilombola Tinguizal, formada por 78 famílias, está abrigando um projeto liderado pela “Associação Mulheres Quilombo Kalunga de Monte Alegre” que está, ponto a ponto, descobrindo na costura uma alternativa para gerar renda e preservar a identidade cultural.
Atualmente, 32 mulheres participam das atividades de corte e costura na associação, produzindo, de forma precária, roupas, acessórios e tapetes com adereços tradicionais. A produção, ainda incipiente, é comercializada na região ou levada pelas mãos de voluntários para Brasília (DF). É o que faz, com prazer, a líder comunitária Maria Helena Serafim Rodrigues, conhecida como Tuia Kalunga. “Nos inspiramos na história, na memória e na vivência. Como ainda não temos grandes recursos de vendas, o que fazemos é apenas para comprar e repor matéria-prima”, afirma.
Segundo Tuia, a produção é mínima devido à inexistência de um processo produtivo eficiente e profissionalizado. E é justamente para suprir essa lacuna que o Sebrae realizou na associação, em 6 e 7 de junho, o curso “Aprender a Empreender Social”, uma iniciativa que visa contribuir para o desenvolvimento e a capacitação profissional, com intuito de gerar reconhecimento, trabalho e renda para as associadas. “A intenção é que elas se capacitem para, no futuro, terem uma produção mais consistente, inspirada no estilo Kalunga, com muitas cores e estampas”, planeja Tuia.
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Território empreendedor
A gestora estadual do Projeto Território Empreendedor Nordeste Goiano, Elaine Moura, destaca que o objetivo principal do Sebrae Goiás é auxiliar as mulheres da comunidade a transformarem seus sonhos de moda em realidade, mantendo a tradição e as memórias afetivas de sua cultura na confecção de roupas. “É valioso quando o conhecimento sobre empreendedorismo encontra as habilidades naturais da pessoa”, diz.
O próximo passo, explica Elaine, será oferecer uma consultoria de design para instruir as mulheres na criação de coleções de moda, abrangendo elementos como modelagem, produção, mercado e venda. A expectativa é que a associação já participe das ações de inclusão social da Amarê Fashion – Semana da Moda Goiana, que acontece de 29 de agosto a 2 de setembro em Goiânia.
Elaine Moura destaca que o Sebrae busca promover o avanço econômico dos territórios, envolvendo lideranças e comunidades locais na construção conjunta de uma agenda de desenvolvimento para a região, visando transformar o território no melhor lugar para se viver e empreender. “A ideia é apoiar a associação no desenvolvimento de habilidades empreendedoras. E uma das iniciativas será levá-las para a Amarê Fashion, a fim de que elas conheçam o universo da moda”, explica.
Líderes ativas e engajadas
Professora concursada do estado de Goiás, Tuia Kalunga é mestre em Sustentabilidade Junto a Povos e Territórios Tradicionais. Com sua experiência e dedicação, ela vem trabalhando para promover a educação, a cultura e a sustentabilidade na localidade, inspirando e capacitando outras mulheres quilombolas a se tornarem líderes ativas e engajadas em suas próprias comunidades, principalmente por meio do empreendedorismo e do cooperativismo.
Por meio de sua liderança, Tuia tem sido capaz de unir as mulheres quilombolas em torno de importantes projetos dentro do território Kalunga. “Desde muito cedo, aprendi a encarar desafios e a superar obstáculos, e hoje estamos diante de um grande projeto de criar não somente uma marca, pois a Tuya Kalunga (marca criada por ela) vai muito além disso. Somos mulheres determinadas e uma comunidade que fortalece cada vez mais as suas raízes. Queremos, no futuro, fazer história por intermédio das confecções que aqui serão criadas, com objetivo de que que vários polos de moda do Brasil conheçam as vestimentas criadas pelas mulheres Kalungas do Tinguinzal”, completa.
A marca Tuya Kalunga vem sendo divulgada por meio de alguns desfiles, como no Festival Vozes Pretas, que aconteceu em agosto do ano passado em Cavalcante, e no mestrado da Universidade de Brasília (UnB), em setembro.
Aprendendo a empreender
O curso “Aprender a Empreender Social” foi aplicado pela consultora Gabriela Gomes dos Santos, que instruiu as mulheres sobre fundamentos do empreendedorismo, educação financeira, mercado, marketing e gestão de relacionamento. “O curso veio para despertar nas mulheres da comunidade o comportamento empreendedor, as perspectivas de mercado, a análise das questões básicas de gerenciamento de uma empresa, o marketing, o planejamento e as finanças para que as pessoas posam incorporar tudo isso não somente na vida empresarial, mas também em suas vidas pessoais”, observa.
A consultora explica que, com os conhecimentos adquiridos e com suporte posterior, as mulheres da comunidade podem pensar na promoção de sua marca de moda, levando também em conta sobre como e por que a qualidade têxtil é tão importante no setor de vestuário. “Assim, o empreendedorismo social pode se tornar efetivamente uma forma de melhorar a qualidade de vida da localidade e de reduzir as desigualdades sociais”, diz.
É o pensamento de Elza Fernandes dos Santos, moradora local e servidora pública de uma escola quilombola na comunidade. “O Sebrae, ao oferecer esse curso, demonstra seu compromisso com a inclusão social e a promoção da igualdade de gênero, proporcionando oportunidades para todas nós, mulheres aqui da comunidade”, ressalta.
O analista do Sebrae Charles Dumaresq vê a iniciativa como estratégica. “Sempre dizemos que onde houver um pequeno empreendedor, o Sebrae estará presente. Aqui, nesta comunidade, demos o primeiro passo no desenvolvimento do empreendedorismo local, juntamente com o grupo de mulheres quilombolas que está em uma fase embrionária de desenvolvimento de sua moda. Além do empreendedorismo, o Sebrae também traz orientações sobre a formalização e a profissionalização da atividade”, pondera.
Fonte: SEBRAE