InícioNotíciasTensão entre donos de bares e pousadas na Vila de São Jorge,...

Tensão entre donos de bares e pousadas na Vila de São Jorge, em Alto Paraíso de Goiás

Conversas em um grupo criado em um aplicativo de mensagens entre policiais militares e donos de pousadas da Vila de São Jorge, distrito de Alto Paraíso de Goiás, revelam embates entre estes e proprietários e frequentadores de estabelecimentos noturnos que funcionam com atividades de lazer e culturais. Recentemente, reclamações por perturbação ao sossego neste grupo levaram policiais armados com fuzis a bares tradicionais da região. Um empresário chegou a assinar um termo circunstanciado de ocorrência (TCO) para não ser preso.

O POPULAR teve acesso a algumas destas conversas, entre 22 de abril, quando uma líder comunitária da vila que também é assessora de fiscalização da prefeitura registrou um boletim de ocorrência contra um bar especifico, e 4 de maio, dia em que houve uma ação policial em quatro estabelecimentos, inclusive o denunciado pela liderança local. Para pessoas ligadas a estes bares, ouvidas pelo jornal, a ação do grupo tem um teor preconceituoso, visa intimidar a atividade dos mesmos e até mesmo traçar estratégias para “gentrificação da vila”.

No grupo, há mensagens em que os donos das pousadas acionam os policiais contra “altos sons” nos bares, mas se referindo a estes como “eventos descabidos, sem a mínima relevância para o turismo”, “centros nervosos” e “raves”. “As pessoas vêm pra cá para a cachoeira e eventos CULTURAIS bem organizados”, escreve um participante no grupo.

O empresário Bruno Melo, autor da última mensagem, argumentou ao jornal que o destaque em caixa alta a palavra “cultural” seria para enfatizar “eventos que não ultrapassam os limites e tem bom senso”. “Que tem público, que tem divulgação, que tem uma coisa organizada”, complementa. Bruno abarca ainda os casos que vazam do território do bar a outros pontos da cidade, como a praça municipal. “Bêbados que ficam na praça com som alto, tocando tambor até de manhã”, desabafa.

Assessora de fiscalização do distrito e moradora da vila, Aristeia Nascimento concordou em falar com a reportagem apenas como líder comunitária. Conhecida como “Téia”, ela tem dito que realiza a intermediação do grupo de pousadeiros e PMs com a prefeitura. Segundo ela, o grupo foi construído a partir de uma demanda que os pousadeiros auxiliaram para reforma de um posto policial no distrito, a partir de então o local seria uma “forma de informação” não apenas de queixa contra os bares. “Às vezes a gente tem caso de violência doméstica e brigas que a conexão com a polícia tem que ser mais rápida e, por vezes, o 190 não funciona e usamos o grupo”, completa.

Em algumas mensagens no grupo, o PM responsável pela fisscalização na região, Danilo Antunes, se coloca à disposição para auxiliar nas discussões sobre as ações que poderiam ser tomadas. A discussão surge a partir do questionamento dos pousadeiros sobre uma possível lei do silêncio. Nas conversas ainda é possível ver pessoas falando que Aristeia precisaria conversar sobre qual vai ser a ação da PM diante do assunto.

Em vários momentos é retomada, por participantes, mensagens com o mesmo contexto relatado acima, sobre a “relevância cultural” das atividades promovidas pelos estabelecimentos criticados. Os textos passam por questões como a relevância das músicas que são tocadas e o atendimento ao público, esse “que seria irrelevante”. Diante de todas essas questões, ao ser questionada sobre a permanência no grupo, Aristeia finalizou a entrevista dizendo ao jornal que “ninguém aqui é contra a música, queremos o equilíbrio”.

Ações policiais

Houve registro de ações policiais a partir de reclamações dos pousadeiros contra pelo menos quatro bares da região, entre eles de viés alternativo, mas fundados há no mínimo 20 anos, e um deles voltado para público LGBT. Com a abordagem, uma mulher que não quis ser identificada disse à reportagem que ainda foi levado um aparelho de som no Bar do Seu Claro, um dos mais tradicionais da região, aberto nos anos 70. Cerca de nove policiais teriam agido e forma arbitrária, “sem diálogo e já impondo o TCO”, segundo a entrevistada.

Um homem que presenciou a ação em outro bar comentou ao POPULAR que a “abordagem foi muito truculenta”. Apesar de não terem levado nada do local, tampouco a assinatura num TCO, os policiais teriam passado diariamente para pedir o encerramento de músicas, “sem pedir para abaixar o som e ameaçando pegar a caixa”. Segundo responsável pelo estabelecimento, o bar em questão não teria sofrido nenhuma denúncia formal.

O policial militar responsável pela fiscalização na região, Danilo Antunes, disse que as ações foram por denúncias tipificadas como “poluição do sossego público”. Ele confirmou que dois bares foram autuados, e, durante a entrevista, enfatizou que um dos bares “sequer poderia funcionar com música ao vivo, porque não tem alvará como bar”. Atuando na região desde dezembro do ano passado, Antunes disse ser a primeira vez que foi aplicado um TCO no distrito pelo motivo.

Apesar da existência de um decreto que estipula a “atividade sonora que perturbe o trabalho ou sossegos alheios”, “instrumentos acústicos” e “algazarras” até às 22 horas, a prefeitura não tem feito a fiscalização no distrito por “falta de profissionais”. A informação foi repassada pela fiscal de posturas da região Vanessa Carvalho, que disse ainda não ter visto ações contra sonorização noturna desde junho de 2023.

Após a abordagem da PM no dia 4 de maio, entretanto, Vanessa afirma haver movimentações da prefeitura para marcar uma reunião “horizontal” entre os interessados, mas sem previsão. Aristeia diz que uma reunião está prevista para ocorrer com a comunidade nesta terça-feira (21).

Para Bruno Melo, o “diálogo acontece semanalmente entre o pessoal das pousadas e os bares que ficam próximos”, mas a situação se “desconversava” com a vinda dos feriados. O movimento vem acontecendo, segundo Melo, devido a postura de cada bar. “Tem mais conscientes e outros nem tanto, acaba que tem uma divergência de opiniões” e “uns acham que incomoda e outros acham que não, por ser um local turístico”, conta sobre as experiências no distrito.

Proprietário de estabelecimento alega perseguição

Ponto de encontro histórico na Vila de São Jorge, o Bar do Seu Claro foi um dos estabelecimentos abordados na noite de 4 de maio. De acordo com informações repassados ao POPULAR, cerca de nove policiais militares teriam chegado no local portando fuzis e, durante a abordagem, haviam solicitado ao responsável pelo bar a assinatura em um TCO, caso contrário “seria preso”.

Nos documentos acessados, há assinatura do responsável em um termo de comparecimento ao Juizado Especial Criminal da Comarca de Alto Paraíso de Goiás para evitar uma prisão em flagrante. Apesar de haver no documento um espaço para menção ao TCO, não há o número nem a tipificação do crime pelo qual o empresário estaria respondendo. Além da assinatura, os policiais levaram do local a caixa de som de um artista que se apresentava no dia.

Um dia depois, no dia 5, foi dito ao POPULAR que a polícia teria retornado ao estabelecimento e abordado novamente os responsáveis sobre a questão do som. A polícia teria enfatizado a aplicação de outro TCO caso “a postura do bar não fosse mudada”. O policial Danilo Antunes disse não ter conhecimento sobre a segunda abordagem.

Em 29 de abril, às 23 horas, Aristeia Nascimento registrou um boletim de ocorrência contra o responsável pelo bar por perturbação do sossego. “Relata que sofre constantemente com som alto no período da noite, ultrapassando do horário das 23 horas” e “na data dos fatos sofreu com barulhos durante evento com instrumento musical de bateria”, conforme alguns trechos do documento.

No boletim, consta-se ainda o registro do volume sonoro captado informalmente por meio de um celular. Mesmo estando registrada a informação no documento, Antunes disse que a informação é irrelevante para a tipificação do crime de perturbação ao sossego. Comerciantes alegam que no mesmo dia era realizada na vila uma festa em homenagem a São Jorge.

Diante do impasse sobre o recurso utilizado para tipificar a autuação, a reportagem questionou o policial militar sobre a abordagem. Em resposta, ele disse que a definição de perturbação é baseada na “constatação de um policial, uma vez que o termo é aberto”. Ainda, foi perguntado sobre algum tipo de recurso na abordagem para apurar o som, como um medidor de decibéis, o policial disse que não foi preciso e que ele definia o parâmetro “pelo ouvido”.

Conforme o documento, o responsável pelo bar relatou à polícia durante a apuração do boletim de ocorrência do dia 22 de abril que “está sendo perseguido” por Aristeia. Em conversa com a reportagem sobre o episódio, ela disse que está somente “esgotada” com a situação e que vem enfrentando problemas de saúde e estresse por conta do “barulho vindo do bar”, que segundo ela, fica ao lado de sua casa.

Fonte: O Popular

POSTAGENS RELACIONADAS
- PUBLICIDADE -
- PUBLICIDADE -

MAIS LIDAS DA SEMANA